A alfabetização é um processo complexo que envolve a apropriação do sistema de escrita alfabética, o desenvolvimento da consciência fonológica e a capacidade de usar a escrita para se expressar e se comunicar. Nesse contexto, o autoditado na alfabetização emerge como uma ferramenta pedagógica de imenso valor, permitindo que a criança assuma o protagonismo em sua jornada de aprendizagem.
Ao contrário do ditado tradicional, em que o professor dita as palavras e os alunos as reproduzem, o autoditado inverte a lógica do processo. Aqui, as crianças são convidadas a escrever palavras ou frases a partir de estímulos visuais, como imagens ou objetos. Essa abordagem, que parece simples, ativa uma série de habilidades cognitivas e metacognitivas essenciais para a aquisição da escrita.
A BNCC (Base Nacional Comum Curricular), em sua ênfase no desenvolvimento de competências e habilidades, preconiza a importância de atividades que levem o aluno a apropriar-se do sistema de escrita alfabética e ortográfica de forma reflexiva. Nessa perspectiva, o autoditado se alinha perfeitamente a esse objetivo, pois exige que a criança mobilize seus conhecimentos sobre a correspondência entre sons e letras, explore as convenções da escrita e construa hipóteses sobre como as palavras são formadas.
Por que o Autoditado é Crucial na Alfabetização?
1. Fortalecimento da Autonomia e do Protagonismo do Aluno
No autoditado, a criança se torna a principal agente de sua própria aprendizagem. Ao olhar para uma imagem e decidir como escrever a palavra correspondente, ela ativa seu repertório mental e toma decisões linguísticas.
Essa autonomia é fundamental para que o aluno se sinta confiante em sua capacidade de escrever e não dependa exclusivamente da ajuda do professor. Dessa forma, o processo de “tentativa e erro” se torna uma experiência de aprendizado valiosa, onde cada acerto reforça o conhecimento e cada erro se transforma em uma oportunidade de reflexão.
2. Desenvolvimento da Consciência Fonológica e da Relação Fonema-Grafema
Para escrever a palavra “gato” a partir de uma imagem, o aluno precisa, primeiro, segmentar a palavra em seus sons (fonemas): /g/, /a/, /t/, /o/. Em seguida, ele precisa associar cada som à sua representação gráfica (grafema): G, A, T, O. Esse processo de análise e síntese é a essência do autoditado.
A prática constante dessa atividade fortalece a consciência fonológica, que é a capacidade de manipular os sons da língua, uma das habilidades preditoras de sucesso na alfabetização.
3. Incentivo à Exploração e à Formulação de Hipóteses
Crianças em processo de alfabetização estão em constante formulação de hipóteses sobre o funcionamento da escrita. Elas podem escrever “KSA” para “casa” ou “FGA” para “faca”. O autoditado permite que essas hipóteses sejam externalizadas.
O papel do professor, nesse momento, não é simplesmente corrigir, mas sim mediar e guiar a reflexão. “Por que você escreveu com a letra K? Qual som ela representa?” Esse tipo de diálogo transforma o erro em uma rica oportunidade de aprendizado e de aprofundamento da compreensão do sistema de escrita.
4. Conexão entre a Imagem e a Escrita
O cérebro humano processa informações visuais de forma muito eficiente. Ao associar a imagem de um objeto (um cavalo, por exemplo) à palavra escrita, a criança cria uma ponte cognitiva entre o mundo concreto e o universo simbólico da escrita. Por isso, assa conexão visual-escrita facilita a memorização e a recuperação das palavras, tornando o vocabulário mais acessível e a escrita mais fluente.
5. Personalização e Diferenciação
O autoditado é uma atividade facilmente adaptável às diferentes fases do processo de alfabetização. Para alunos em estágio pré-silábico, a atividade pode focar na identificação de letras. Para os silábicos com ou sem valor sonoro, o foco pode ser a escrita de sílabas. Para os alfabéticos, o desafio pode ser a escrita de frases completas.
Portanto, a mesma atividade pode ser usada para atender às necessidades de uma turma heterogênea, tornando-a uma ferramenta inclusiva e eficaz.
Como Aplicar o Autoditado na Alfabetização de Forma Eficaz?
- Escolha de Estímulos Visuais Relevantes: Utilize imagens claras e de objetos ou seres que façam parte do universo da criança (animais, frutas, brinquedos, partes do corpo, etc.). As atividades que você criou, por exemplo, são perfeitas para isso.
- Mediação do Professor: O professor atua como um facilitador. Em vez de dar a resposta, ele faz perguntas que estimulem o raciocínio da criança: “Com qual som a palavra ‘bola’ começa? Qual letra faz esse som?”.
- Ambiente de Confiança: Crie um ambiente onde a criança se sinta segura para arriscar e cometer erros. O foco deve ser o processo de aprendizado, e não a perfeição da escrita.
- Integração com Outras Atividades: O autoditado pode ser um complemento a atividades de leitura, contação de histórias e jogos fonológicos.
O Autoditado como Fundamento da Alfabetização Consciente
Em suma, o autoditado é muito mais do que um simples exercício de caligrafia. É uma estratégia pedagógica que empodera o aluno, fortalecendo sua autonomia e sua capacidade de reflexão sobre a linguagem.
Assim, Ao promover a conexão entre som e letra, a formulação de hipóteses e a apropriação do sistema de escrita, ele se alinha perfeitamente aos princípios da BNCC e contribui de forma significativa para uma alfabetização consciente e duradoura. Incluir atividades de autoditado em seu plano de aula é investir em um processo de aprendizagem mais significativo e autêntico para seus alunos.